Textos, contos, poemas e reflexões de uma mente em movimento...

As diferenças nos tornam iguais...

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Pecado nefando

            Os inquisidores usavam a expressão latina nefandus, “o que não pode ser dito”, para se referir à homossexualidade, que era considerado um crime tão grave e contrário à natureza que era indigno de ser nomeado, e, por isso mesmo, nefando.
            Em menos de um mês, tiveram repercussão, pelo menos, cinco ofensas à orientação homossexual, sendo quatro deles no Brasil: um grupo de cinco jovens agrediu um rapaz na Avenida Paulista; um soldado atira em um jovem, e o humilha dizendo que era uma vergonha para a família; em entrevista ao programa “Participação Popular”, da “TV Câmara”, o deputado federal Jair Bolsonaro disse “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem”; o chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, reverendo Augusto Nicodemus Gomes Lopes, publicou um manifesto contra a aprovação da lei PL-122/2006 que torna crime a homofobia, onde afirmava que tal lei interfere diretamente na liberdade e na missão das igrejas de todas orientações de falarem, pregarem e ensinarem sobre a conduta e o comportamento ético de todos, inclusive dos homossexuais; o presidente italiano, Silvio Berlusconi, após ser fotografado ao lado de uma jovem marroquina, declarou ser melhor gostar de mulheres bonitas do que de homens.
            O desrespeito ao ser humano, este sim, é um pecado nefando. É preciso esclarecer algo: todos temos o direito de fazer o que decidirmos fazer desde que outras pessoas não sejam prejudicadas por essas decisões. A existência de homossexuais não agride a vida de ninguém, e afirmar o contrário é abraçar o medo e a ignorância, herdados de uma sociedade preparada para aceitar que meninas de dez anos façam sexo e dancem ao som de vulgares letras de funk e para permitir que lideres religiosos preocupados não com as almas de seus fiéis, mas sim com seus bolsos, interfiram na cidadania. Aliás, o que é a cidadania para quem não acredita mais nela e humilha os que ainda a buscam?
            O ensino religioso em si não é homofóbico, no entanto, há formas de ensino que restringem a idéia de que todos tem dignidade e direitos iguais. Segundo o constitucionalista Oscar Vilhena Vieira, a Lei da Homofobia propõe punição por discriminação homofóbica, e não é proibido dizer que o Salmo1 diga tal coisa, e o que não se deve permitir é que isso seja usado para uma conclusão preconceituosa e que restrinja direitos, pois, a liberdade religiosa não é absoluta como qualquer outra, já que no Brasil ela pode ser contida por estar submetida à lei.

domingo, 24 de outubro de 2010

O sexo dos anjos

Alguém entra em um escritório na Câmara dos Vereadores e atira no homem que ocupava o escritório. O assassino era Dan White, político conservador e adversário político da vítima, Harvey Milk, o primeiro homossexual assumido eleito para um cargo público nos Estados Unidos. Milk causou polêmica ao propor leis para a regulamentação dos direitos dos homessexuais, o que motivou seu assassinato em 1978,quando a luta por esses direitos começou a ganhar força.
Muitos grupos racistas e religiosos disseminam o ódio aos gays e pregam o banimento do homossexualismo da sociedade. Fácil entender o porquê dos grupos racistas: eles são racistas, não aceitam a diversidade. Mas, porque os grupos religiosos, cujo papel é contribuir para que o ser humano sinta-se bem consigo mesmo, se mostram incapazes de perceber e mostrar que a verdadeira abominação é um ser humano tratar o outro como lixo?
Apesar de sermos seres racionais, nós,seres humanos, nãoestamos preparados para tratar o tema da sexualidade. Falar sobre sexo, preservativos e AIDS é fácil, mas, e no que diz respeito à ideentidade sexual,sempre tratada como tabu?
"Homossexualismo é doença genética,a pessoa já nasce assim." é o que diz qualquer pessoa que nãosabe lidar com a própria sexualidade. Pessoas que se julgam no direito de impedir que duas pessoas de sexos iguais ou opostos se amem não sabem o que é o amor.
Esqueçasuaidentidade sexual, religiosa ou cultural e, apenascomo serhumano, responda: se realmente temos o livre arbítrio e Deus é Pai, qual é o sexo dos anjos?
Esta pergunta é inútil e inviável, mas, se você é capaz de se ofender com ela, há dua coisas para o qual você não está preparado (a): entrar em contato com a própria sexualidade e contribuir para a formação de umasociedade mais justa onde consciência e respeitos sejam prioridades.

sábado, 23 de outubro de 2010

Entre aranhas e ouriços

Imagine um grupo de ouriços tentando proteger-se do frio. Para aquecerem-se, eles agrupam-se em circulo; se ficarem muito próximos, podem machucar-se uns aos outros e, para que isso não aconteça, precisam encontrar uma distância em que possam aquecer-se sem machucarem-se. Esta distância chama-se “civilidade” e corresponde ao conjunto de regras para viver em sociedade.
A sociedade é uma teia constituída por essas regras, tecidas pelas “aranhas instituições”. Se um indivíduo transgride uma regra de alguma “aranha”, ou seja, tenta “sair da teia”, será perseguida, excluída por uma ou mais “aranhas”. Dessa forma, não pode-se falar em uma liberdade verdadeira, mas sim em uma liberdade controlada, com o intuito de proteger o ser humano, mas que acaba por inibi-lo.
Nas sociedades é comum um indivíduo só ser reconhecido como membro da comunidade após cumprir os ritos de passagem, como o batismo e o casamento; qualquer comportamento fora dos protocolos estabelecidos pelos ritos das instituições (família, religião, governo) é vista como imoral, podendo gerar tabus, fortemente malvistos pelas instituições: educação sexual,aborto, células-tronco embrionárias, homossexualismo...
Muitas vezes egocêntricas e preocupadas apenas com seu lucro pessoal, as instituições se permitem “sair da teia”, evidenciando que quando dizem “Vinde a nós os necessitados”, na verdade querem dizer “Vinde a nós os que seguirem nossas regras, os necessitados que se danem”. Este é um comportamento que, definitivamente e, infelizmente, deixa bem claro que não existem livre-arbítrio e liberdade de expressão, existindo apenas o “faça o que quiser, mas dentro das nossas regras”, essa semente da hipocrisia.
No reino animal, o ouriço ganharia uma luta contra uma aranha. Na sociedade humana, ocorre o contrário. Deve ser efeito do veneno.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ecce, puer satanae qui venit peccata mundi*

Política, intolerância religiosa, homofobia, aborto. Enfim, um caldeirão de intrigas em nome do voto do eleitor brasileiro neste segundo turno.
De um lado, Dilma Roussef, candidata do PT à presidência da República, que aprova o aborto como liberdade fundamental da mulher e apoia direitos dos homossexuais, como o casamento gay. Do outro lado, temos José Serra, candidato do PSDB, que se pôs, junto com sua esposa Mônica Serra e seu vice, Índio da Costa, a fazer campanha com grupos evangélicos, dizendo que Dilma é "a favor de matar criancinhas" e que se fosse eleita, legitimaria o aborto e o homossexualismo, afirmações que causaram medo, sobretudo, aos vários grupos religiosos católicos e protestantes.
O bispo de Guarulhos, Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, declarou publicamente ter "ódio ao PT" e distribuiu em sua diocese o Manifesto anti-PT, que afirma ser a posição oficial da Igreja Católica, embora a CNBB tenha declarado que somente a Assembleia Geral e o Conselho Permanente tem o direito de falar em nome da ICAR. Em uma pregação, Dom Luiz Gonzaga diz que "votar em Dilma é pecado" e ressaltou ideia de que há um envolvimento do vice de Dilma, Michel Temer, com o satanismo. O site Hospital da Alma, ligado a uma associação de blogueiros evangélicos, chegou a dizer que se Dilma ganhar, morrerá por obra de Satanás para que Temer (o diabo) possa governar.
Com todos esses acontecimentos e declarações, que são na verdade um péssimo e indevido mal uso da liberdade de expressão, a principal consequência é a indução ao erro de pessoas menos escolarizadas, aproveitando-se da boa fé deles através de uma mistura de verdades e mentiras sensacionalistas com algumas gotas de preconceitos comuns, usando como receita secreta a religião, pois sabe-se muito bem o sincretismo religioso no qual o Brasil está envolvido, em meio a concentração de adeptos de praticamente toda as religiões do planeta em um único país, assim como a evidente intolerância entre católicos e evangélicos, evangélicos e espíritas, entre muitos outros exemplos que deixam cada vez mais claro que ninguém sabe amar seu próximo como a si mesmo.
Karl Marx dizia que "a religião é o ópio do povo, no entanto, Marx esta errado, pois a religião não é o ópio, mas sim o incendiário: ninguém faz o mal contra teu próximo com tanta convicção e prazer como quando o faz usando a religião como desculpa. E é aí onde a fraqueza do ser humano diante de si mesmo se mostra mais evidente, cria crenças e impõe a intolerância e a exclusão àqueles que não as aceitarem.
Já está provado que misturar política e religião é uma combinação desastrosa: isto já causou violentas batalha contra os mulçumanos (as Cruzadas),instaurou inquéritos contra não-cristãos e praticantes de filosofias pagãs (Tribunal do Santo Ofício, ou Inquisição), dividiu o cristianismo e ajudou aumentar a intolerância religiosa (Reforma e Contra-Reforma), chegando aos dias atuais como uma bomba sempre prestes a explodir. Então, porque continuar com toda esta guerra sem razão, toda esta realidade morta?
Isto é uma disputa por votos. Não há porque colocar a religião e as diferentes crenças no centro da questão, pois isso só mostra o quanto a sociedade, tanto os mais pobres quanto os mais ricos, estão despreparados para para ajudar na construção de uma sociedade mais justa, onde o respeito e a consciência sejam prioridades.
Esta é uma disputa de seres humanos pelo poder, não tem nada haver com Jeová, Exu, Nossa Senhora, Satanás ou Curupira. São apenas dois lados humanos que, como uma crianças de uns três anos que ainda estão aprendendo a ler e escrever, ávidas por atenção, dizem: "querem, por favor, me entenderem?".


*Em latim, significa :Vejam, o filho do demônio, que manifesta o pecado do mundo.

sábado, 18 de setembro de 2010

A autópsia de Deus

Foi em 1868, quando Castro Alves, o poeta dos escravos publicou o poema Vozes d’África, que se percebeu, pela primeira vez na história, que algo estava errado: “Deus! Ó Deus, onde está que não responde?”.
Por que Deus permitiria tamanho sofrimento ministrado aos negros, escravizados e desacreditados da própria sorte?
Niezstche, o filósofo alemão, famoso por seu ateísmo, respondeu, em 1882, a esta questão. Ele disse, em sua obra ‘A Gaia ciência’, a frase mais mal-interpretada de toda a história da filosofia: “Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!”.
Imagine que Deus possa habitar em um corpo físico, de carne e osso. Agora imagine um assassinato comum, o assassinato de uma pessoa qualquer, que você nunca viu ou conhece. Foi assim que Deus morreu: através do veneno contido em nossos atos e palavras egoístas, fizemos com que Deus adoecesse lentamente, sem que percebecessemos que algo não ia bem, que um cheiro estranho rondava o ar ao nosso redor. Todos nós agíamos como se, em nossa loucura, fossemos nós os únicos a enxergar a verdade, ignorando que, havia algo a ser conquistado, algo com o qual sempre tínhamos sonhado, mas sempre reprimido: o desejo de ser deus. Não exatamente “Deus”, mas sim, um deus, um sonho de perfeição.
Agora o trono está vazio, mas não o podemos ocupar. Quem nos coroaria? Qual seria o nosso cortejo? Sobre quem reinaríamos?
E os anjos? Teriam eles, em seu luto celeste, se precipitado no abismo? E as trevas, sobre o quê dominariam? Também eles desistiram da existência, de seu sonho de ser “Deus”?
Por que, em nossa insanidade, em nossa vingança, nos desfizemos do Pai? Que tipo de filho se imaginaria fazendo algo como isto? Mas sim, nós o fizemos. Matamos Deus, e, em nosso orgulho, negamos que tal crime aconteceu. Talvez tenha sido nas Cruzadas, ou nas Grandes Navegações; o tempo é incerto, mas aconteceu.
Agora, céticos de nosso arrependimento, clamamos cegamente aos quatro ventos, que eu estou certo e você está errado, ou que todos estão errados, menos você. Não importa mais se o que eu sigo é o caminho certo, pois achar que se está seguindo pelo caminho certo é completamente diferente de achar que é o caminho certo. São tantos caminhos, tantas portas, mas o que importa, é como trato a porta de meu vizinho, pois agora somos deuses e não podemos reinar. Este, creio, foi o último desejo Dele, que amássemos ao nosso próximo como a nós mesmos.
Foi Niezstche quem disse: “Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós, os algozes dos algozes? O que o mundo possuía ate agora, de mais sagrado e de mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes de nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiado grande para nós? Não teremos de nos tornar nossos próprios deuses, para parecermos apenas digno Dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a história até hoje!”

Apenas um reflexo no espelho

Já não nos surpreendemos mais com histórias envolvendo jogadores de futebol que assassinam mulheres, pais que arremessam crianças pela janela do apartamento, casos de corrupção ou de padres acusados de pedofilia. Isto, talvez, signifique que estamos acostumados a classificar o "lado ruim" de alguém como sendo "marca característica de um grupo"  (étnico, social, religioso).

Na filosofia oriental, o princípio do equilíbrio é representado pelo símbolo do Yin Yang

Através de uma indiferença fria e arrogante, o ser humano vem perdendo a confiança e o amor pela própria espécie, recusando a idéia de que as diferenças são como igualdades aplicáveis a toda a humanidade.
Sem nenhuma dificuldade, conseguimos julgar um ladrão pelo seu ato, mas, não se tem a mesma convicção ao tentar julgar a si mesmo pela mesma atitude. Cada ser humano tem aspectos positivos e negativos, sendo que muitas pessoas demonstram, geralmente, apenas um lado.
é doloroso ir contra o próprio ego, se colocando como assassino em vez de vítima. Todos somos assassinos e vítimas quando excluímos alguém de nosso convívio, simplesmente por este ter demonstrado um apecto negativo. A tolerância necessária para se colocar no lugar do otro dificilmente será bem interpretada pela maioria das pessoas, mas, "não fazer o que não quer que façam a você" é um ensinamento que vai além da ética e da moral da sociedade.
Não há pessoas 100% boas ou más: é preciso que haja um equilíbrio, o qual negamos à nós mesmos quando enxergamos apenas o "lado bom" ou o "lado ruim" de alguém.